Nesse último domingo, embrenhei-me na madrugada para terminar o clássico “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, de Philip K. Dick, que deu origem ao também clássico Blade Runner.
Apesar das muitas diferenças, que vão desde o roteiro até a aparência e relevância de vários personagens, livro e filme compartilham a mesma essência. Colocam as mesmas perguntas.
Acho que essas são as melhores adaptações: aquelas que pegam um bom livro e vão além, pelos caminhos visuais e sonoros que só o cinema pode trilhar. Aquelas adaptações fiéis até a última vírgula matam as plateias de tédio. Aquelas modificadas para ficarem mais palatáveis ou compreensíveis... melhor nem comentar.
Mas Blade Runner é uma adaptação primorosa. Em uma carta cujo assunto era o filme, Dick afirmou:
"O impacto de Blade Runner será simplesmente arrebatador (...) não sabia que um trabalho feito por mim, ou que um conjunto de ideias minhas, pudesse atingir uma escala de dimensão tão colossal".
Mas não é por Dick ter batido palmas que Hollywood o tinha no bolso. Propuseram-lhe escrever uma adaptação do roteiro do filme para um novo livro. O problema era que o livro original seria suprimido. Esquecido. Nem a inscrição "o livro que inspirou Blade Runner" poderia ser usada. Sobre isso, em uma entrevista, Dick disse:
"Minha agência calculou que eu poderia ganhar US$400 mil se fizesse a novelização. Por outro lado, se relançássemos o livro original, eu ganharia em torno de US$12.500 (...) Mas, para nós, o original era um bom livro. Além disso, eu não queria escrever o que chamei de adaptação barata. (...) Quero dizer, eu me descarrilar e fazer aquela adaptação marqueteira de Blade Runner - uma coisa totalmente comercial e voltada para a faixa de leitores de 12 anos - teria sido desastroso para mim artisticamente, embora, como meu agente me explicou, financeiramente, eu teria resolvido minha vida. (...) Prefiro levar uma vida ascética. Não tenho desejos materiais e não estou endividado. Meu apartamento está quitado e meu aparelho de som também. Pelo menos, desse jeito, tento escrever o melhor livro que consigo. E, se não conseguir, pelo menos, terei dado meu melhor. Acho que a pessoa sempre deve dar o seu melhor em tudo, seja um sapateiro, um motorista de ônibus, um escritor, um vendedor de frutas. Você faz o melhor que pode. E, se falhar, ponha a culpa na sua mãe."
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